Políticos e igrejas disputam rádio comunitária em Ijuí - Por Adriano Schorer

Via Twitter, troquei algumas impressões com @RicardoPittas (do Blog Exercício da Cidadania) e com o @professorfiorin, sobre o surgimento de um novo veículo de comunicação digital em Ijuí. Dei os meus pitacos, onde não fui chamado.
Infelizmente para a nossa comunidade, somos um microcosmo do que acontece na mídia em todo o Brasil: relações de troca com o poder, dependência e submissão para com os anunciantes e editorias que não produzem criticamente, mas copiam, colam e reproduzem massivamente material encaminhado por assessorias, sem nenhuma releitura crítica. Raramente as fontes são questionadas. Nem vou entrar na questão dos profissionais que trabalham em veículos de comunicação. É uma realidade aterradora. Baixíssimos salários, jornada desumana e terríveis condições de trabalho. É assim nos jornais, nas rádios e nas páginas da rede.
E ai me vem uma preocupação justificada pelo cenário atual dos veículos de mídia em Ijuí. Me preocupa é que novos veículos surjam na cidade e sejam mais do mesmo. A mesma proposta, as mesmas práticas sob uma ideologia diferente, mas completamente distante do bom jornalismo. Em Ijuí todos os veículos de comunicação tem partido e no fim todos tem voz, menos o cidadão. Dá para fazer um parênteses à Unijui FM, que tem propostas bem interessantes em sua programação, mas também não se mete muito nos debates locais, em especial dos políticos.
Então temos veículos ideologizados. Não é estritamente assim mas também não é tão distante disso. No geral todos até se esforçam para parecerem isentos e democráticos mas qualquer entrelinha os denuncia. Na minha opinião não há nada de mal da mídia ter partido. O que é ruim é não assumir isso e se autoproclamarem isentos, o que é mais comum.
Dito isso, teremos muito em breve uma rádio comunitária na cidade. O Governo Federal trabalha para que até o fim de 2012 todos os municípios brasileiros tenham pelo menos uma rádio comunitária. Este ano, 11 avisos de habilitação – que permitem o pedido formal de uma emissora por entidades – pretendem atender a 431 cidades, o que já abrangeria 85% municípios (hoje o serviço chega a 76,9% deles). A cidade Ijuí já foi incluída em um destes avisos de habilitação e 6 entidades concorrem pela emissora.
Boa notícia? Infelizmente, já de saída, a perspectiva de que tenhamos um veículo realmente comunitário é remota, a julgar pelas pessoas e entidades que pleiteiam a emissora. Das seis entidades que encaminharam proposta, duas tem como representantes políticos da nossa cidade.
A ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE COMUNICAÇÃO IJUÍ tem como representante Claudiomiro Gabbi Pezzetta, atual secretário de Saúde e vereador de Ijuí. Já a ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA RENOVAÇÃO DE IJUÍ – ACORIJUI, tem como representante o ex-vereador e ex-presidente do PMDB José Ricardo Adamy da Rosa. Além destas, o INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL – SEPÉ TIARAJU, representado por José Vicente Batista, o Juca, tem estreitas ligações com o PT e segundo dizem, não pude confirmar, o instituto tem como fundador o vice-prefeito Ubirajara Machado Teixeira.
Além destas, uma ainda é ligada a alguma igreja, a ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA CULTURAL E DE RADIODIOFUSÃO JESUS É A ESPERANÇA – ACORAJESUS, cujo representante é Elias Lediél Queiroz. Ainda outra instituição religiosa, a LEGIÃO EVANGÉLICA DE IJUÍ, deu entrada no processo, mas este foi arquivado por falta de documentação. Não consegui apurar a que grupos estão ligados as outras duas associações.
A questão é: o fato de uma associação estar ligada a um político ou instituição religiosa determina sua forma de operar as massas. Teoricamente não. Mas a teoria é muitas vezes abstração.
Menos mal que as coisas estejam mudando, em especial quanto a fiscalização dessas rádios. Segundo notícia da Agencia Brasil, as rádios comunitárias serão fiscalizadas com mais rigor, principalmente com relação à proibição de venda de espaços comerciais. A penalidade, prevista em lei, pode ser a aplicação de multas, suspensão e até a cassação da concessão. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, garantiu aos representantes do setor de radiodifusão, reunidos na Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná (Aerp), em Curitiba, que a fiscalização será intensificada em todos os serviços.
“Estamos reorganizando o atendimento aos profissionais da radiodifusão brasileira. Vamos acompanhar mais de perto como atuam, suas dificuldades e reivindicações”, disse o ministro. Em contrapartida, o governo também será mais rigoroso em relação aos serviços prestados pelas emissoras.
Paulo Bernardo ressaltou as modificações que estão sendo feitas no modelo de concessão de emissoras de rádio e TV. Dentre elas, a exigência de comprovação de capacidade financeira de quem pleiteia uma concessão. “Muitas pessoas alegam a necessidade de uma rádio em um município do interior, mas já com a intenção de comercializar a autorga”, denunciou o ministro.
De nada vai nos adiantar um novo portal de notícias ou uma rádio comunitária que atuem como os veículos atuais. Em nossa cidade não há reportagem, não há investigação. Os veículos se comportam quase que como um diário oficial do governo e das instituições. Recebem matéria das assessorias e as publicam, sem contraponto. São cegos, mudos e surdos. Não veem porque fogem das pautas polêmicas (principalmente com os três poderes), são mudas porque, por mais óbvio que o debate esteja, o ignoram. São surdos, porque a experiência de alguns blogues na cidade nos dá a clareza de que a sociedade quer mais profundidade, participação e menos parcialidade.
Vejam um exemplo claro, em uma área fundamental da administração pública: algum veículo de comunicação de Ijuí já foi pesquisar e esclarecer porque o Município não participa do pregão eletrônico do CISA (Consórcio Intermunicipal de Saúde) para a compra de medicamentos? Informações garantem que por isso, Ijuí paga 60% a mais em alguns itens. Dinheiro público amigo, meu e seu. E vejam bem, não estou falando de reproduzir fala de vereador. Estou falando de ir inquirir o Prefeito e o Secretário de Saúde sobre a questão. Não só não vão como fazem pior. Li num jornal da cidade as justificativas do secretário de saúde, sem qualquer contraponto. Isto é um deboche para com a sociedade.
E muito Pior. Na Câmara de Vereadores a comando do trabalhismo temos uma aberração institucional que é o fato de alguns “jornalistas” receberem salários da câmara (CC’s), como “assessores de imprensa”. Muito cômodo para o poder legislativo. Que independência terão estes “profissionais” em seus veículos para informar criticamente os trabalhos do legislativo? Ou seus ouvintes/leitores não merecem o debate crítico? Cito outro exemplo. Houve algum debate aprofundado na imprensa sobre o fato de o Ministério Público estar questionando os CC’s da câmara, incluso os da imprensa?
O respeitável público é mesmo idiota.
1. Situação dos processos de outorga para rádios comunitárias podem ser lidos na página do MiniCom.
2. Consulte lista dos donos de rádios e TV’s no Brasil: Lista.
3. Para ampliar este debate aos interessados, disponibilizo link para a nota do Coletivo Interozes (Coletivo Brasil de Comunicação) contra o coronelismo eletrônico e a Carta do Rio de Janeiro, produzida como documento final do seminário realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) nos dias 20 e 21 de maio de 2011, que discutiu as prioridades do movimento relativas ao marco regulatório para as comunicações.