Annales e a Revolução na Historiografia


A revista dos Annales foi fundada em 1929 tendo como principais mentores Marc Bloch e Lucian Febvre. Sua nova abordagem para o estudo da História trouxe conseqüências e influências até os dias de hoje. A revista se consagrou conjuntamente com a obra de seus principais fundadores . O movimento dos Annales, normalmente chamado de Escola dos Annales, não possui exatamente, os elementos que constituem uma escola, rigidamente organizada fechada estritamente em torno de uma convicção ou paradigma.
Para o entendimento da formação e da configuração do que consideramos como os Annales, torna-se mais acertado entendê-lo como um movimento, que não se restringe somente às publicações contidas nos “Annales d’histoire économique et sociale”.

Entre as obras de maior destaque daqueles que compuseram o movimento dos Annales encontram-se os “Reis Taumaturgos” de Marc Bloch, publicado em 1924, ou seja, antes da fundação da revista, e o “O Mediterrâneo” de Fernand Braudel.

Encontramos neste movimento, uma certa unidade em sua composição, mas não uma homogeneidade. Jacques Revel o define como um conjunto de estratégias, uma nova sensibilidade, uma atividade que de fato mostra-se pouco preocupada com definições teóricas.A revista dos Annales passou por diversas reformulações desde que foi fundada. Em sua primeira concepção, os trabalhos de seus principais pensadores Marc Bloch e Lucian Febvre, fizeram-na conhecida e reconhecida mundialmente.

Com a proposta de renovar-se e manter-se sempre atual, notamos nos anos 60 uma grande repercussão da revista e forte influência de Fernand Braudel. Na terceira “fase” dos Annales , ou na chamada Nova História destacam-se historiadores como LeGoff, Duby. A revista nasce como uma publicação reivindicadora e renovadora, assumindo posições altamente críticas em relação ao tipo de historia que costumava ser realizada principalmente na Academia. Apesar de também se dirigir ao público leigo, foi no ambiente acadêmico que os Annales travaram seus principais debates.

As propostas encontravam-se em dois eixos centrais, a da reivindicação de uma história experimental científica e a da convicção de uma unidade em construção entre a história e as ciências sociais. Uma das características iniciais dos Annales está na reflexão dos historiadores tanto em relação a sua área de estudos, como sobre suas formas de trabalho. Preocupa-se em tirar a história de seu isolamento disciplinar, de forma que as formas de pensar em História, estejam abertas as problemáticas e a metodologias existentes em outras ciências sociais, no que costumamos denominar de interdisciplinaridade.

Em 1903, um sociólogo chamado François publicou na revista “Revue de synthèse historique” um importante artigo, que discutia a metodologia usada tradicionalmente em história. Simiand no início do século já trazia em seu texto, idéias que de vinte anos mais tarde, seriam reelaboradas e discutidas e modernizadas pelo Movimento dos Annales. Simiand era um sociólogo durkheimiano, que criticava a metodologia histórica hoje conceituada como positivista em que se acreditava que o essencial na História seria estabelecer os fatos. A sociologia no início do século constituía-se como uma nova ciência social. Esta possuía um dinamismo e uma articulação com o social, que não se possuía em História.

No início do século XX, nota-se na França um constante debate entre historiadores e sociólogos, que trouxeram aproximações e ferrenhas distinções entre as duas disciplinas. O texto de Simiand encontra -se situado entre estas constantes discussões e debates. O autor acreditava que seria possível uma unidade metodológica para todas as ciências sociais, incluindo a História. No entanto, a interdisciplinaridade que defendia, era concebida a partir da existência de um modelo unificado que serviria para todas as áreas do conhecimento humano.

Com as ciências sociais no início do século XX, o homem deixou de ser considerado pelo pensamento como sujeito e tornou-se objeto. Na perspectiva de Simiand, a constituição de uma verdadeira ciência social passaria por exigências conceituais como da escolha de hipótese para a realização de uma pesquisa. O que será retomado em 1930 pelos Annales, quando conceituam a perspectiva da história-problema. O sociólogo durkheiniano criticava a dimensão temporal cronológica da História. A temporariedade daria-se entre as variações e recorrências. Seguindo as explicações de Jacques Ravel, a classificação segundo Simiand, seria construída sobre fatos sociais, desembocando, portanto numa identificação de sistemas.

A Historia, na perspectiva sociológica, seria uma abordagem entre outras do fenômeno social, além de dar conta dos fenômenos do passado. Possuía uma posição importante entre as ciências sociais, mas não central.Nos Annales, apesar da influência de Simiand e das ciências sociais, a interdisciplinaridade, e a integração da História entre as ciências sociais, não seguem exatamente o modelo Durkheimiano.

Diferente do que propunham os sociólogos, a partir dos anos 30 e por mais de uma geração, o que ocorre é que a História será o centro das atenções entre as ciências sociais, ou as ciências do Homem, como costuma-se denominar na França. A partir dos Annales, a História deixa de ser uma disciplina preocupada com os meandros políticos, para assumir a questão do social. Procurar entender a sociedade, as formas de sociabilidade, nos diversos tempos vividos pelo homem, que caracteriza-se por ser um ser social.

A História, como uma disciplina a ser ensinada nos colégios e na universidade, percebida como uma carreira intelectual, encontrava muito mais apoio e prestígio durante o período das duas Grandes Guerras Mundiais, do que as outras ciências sociais como a sociologia, e a antropologia. Pode-se dizer, que houve um certo imperialismo dos Historiadores na França, calcados principalmente nas figuras de Bloch, Febvre e posteriormente Braudel. O que inicialmente era uma revista marginal, tornou-se uma publicação de grande prestígio na França.

Referências:

Bloch, Marc Leopold Benjamin – “Os reis taumaturgos: O caráter sobrenatural do poder régio, França e Inglaterra “ São Paulo, Companhia das letras, 1993,
Burke, Peter- “A escrita da história: novas perpectivas”. São Paulo, UNESP, 1992
Lévi- Strauss Claude – “Mito e Significado”. Lisboa, Edições 70, 1989
Lévi- Strauss Claude – “História e Etnologia” in: Antropologia estrutural. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975
Mauss, Marcel – “Ensaio sobre a dádiva”. In sociologia e Antropologia. São Paulo, EPU, 1974
Merlau- Ponty - “De Mauss a Claude Lévi Strass” Coleção “Os Pensadores” . São Paulo, Abril Cultural, 1980
Reis, José Carlos – “Escola dos Annales – A inovação em história”. São Paulo , Paz e Terra, 2000
Revel Jacques – “A invenção das sociedades”. Lisboa, Diefel, 1989