REFLEXÕES SOBRE A SEMANA FARROUPILHA

Como se define o gaúcho?

Historicamente o gaúcho é o tipo social que predominou na região da campanha, onde hoje situa-se o estado do Rio Grande do Sul, em partes do Uruguai e da Argentina. Partindo dessa ocupação, em um espaço conhecido como “pampa”, durante o processo de colonização, o mesmo inicia suas atividades voltadas ao pastoreio. Para muitos historiadores, ele é originário a partir da matriz indígena, mesclado posteriormente com espanhóis e portugueses, no processo de ocupação do território. Segundo o relato de viajantes europeus que percorreram a Província do Rio Grande de São Pedro no inicio do século XIX, esse tipo social é percebido com características de “pilhador, contrabandista e sem moral social”. Mas, é a partir dos conflitos travados nessa legião limítrofe, onde muitos conflitos armadas ocorreram, é que o mesmo tipo social foi reconstruindo sua identidade. Fatores como a literatura e até mesmo o imaginário popular, possibilitam uma ressignificação do gaúcho histórico, ocorrendo assim a construção da expressão gentílica gaúcho rio-grandense. O cabe ressaltar que o gaúcho histórico fora um tipo social habitante somente da região da campanha. Muito assemelhado com o “Gaucho Platino” e sem semelhança peculiares com os povos de outras regiões do Rio Grande do Sul.

Qual o papel do gaúcho na formação da identidade cultural rio-grandense?

Ele possui um papel fundamental. Sua imagem é reconstruída, seus valores são ressignificados, os episódios guerreiros em que o mesmo participa são exaltados possibilitando a criação de um mito. Porém, percebo que a afirmação da identidade cultural gaúcha vai ocorrer com a Revolução de 1930 quando Vargas chega ao poder no Brasil. Mas, aliado a isso, há uma corrente da historiografia rio-grandense liderada pelo intelectual Moysés Vellinho que, irá defender a matriz lusitana do gaúcho. Porém, essa identidade vai se fortificar com a criação do movimento tradicionalista e a edificação da estatua do laçador em Porto Alegre. Esses aspectos ajudam a formar uma identidade tradicional, cujo mito fundacional, talvez seja construído com as guerras e revoluções no território, como por exemplo, o tão controvertido Conflito Farroupilha de 1835.

Como surgiu o movimento tradicionalista? Essa representação ainda é forte?

O tradicionalista é outro tipo social totalmente desvinculado do gaúcho histórico. O tradicionalista visa identificar-se com o gaúcho histórico, porém há um processo de ressignificação de imagem e de identidade. Isto porque, o gaúcho pertence a um modelo de sociedade alicerçada em um espaço tradicional de pastoreio. Já o tradicionalista, que visa reviver o gaúcho em sua totalidade de manifestações, pertence a um outro contexto histórico. O mesmo é fruto de uma sociedade industrial, cujo movimento tem seu inicio na segunda metade da década de 1940 no pós Segunda Guerra Mundial. Com isso, torna-se claro e evidente as razões que levam a criação desse movimento. A necessidade de identificação com a própria história, a exaltação e valorização do local/regional em detrimento ao “american way of life” . A preocupação de seus ideólogos, entre os quais, Paixão Cortes e Barbosa Lessa, residia na construção de um modelo de preservação e conservação de um passado, representado como “tradicional” em contraposição aos Estados Unidos e seu modelo de imposição cultural.

Outro aspecto, posterior a esse movimento de 1947-1948, como a Ronda Crioula e a fundação do 35 CTG, está a reunião dos tradicionalista em Congressos a partir de 1954, onde o “Sentido e o Valor do Tradicionalismo” é defendido em uma muito bem argumentada tese escrita por Barbosa Lessa. Porém, o movimento organizado somente iria se constituir em meados da década de 1960, com a fundação do MTG, e a partir de então constituir-se como o maior movimento organizado do mundo, com representatividade alem do Rio Grande do Sul, em vários estados brasileiros, nos EUA, Europa e Ásia.

Até que ponto é importante cultuar essas representações e símbolos culturais?

Em primeiro lugar tem que destacar o caráter dinâmico da cultura. Como historiador, vejo que mais importante que o passado é o presente. Entendo que o movimento tradicionalista constitui-se em vários aspectos que levaram a “invenção de uma tradição”, principalmente na ressignificação da imagem e da identidade do gaúcho histórico, e nos mecanismos de controle e princípios que devem seguir aqueles que desejam identificar-se como tradicionalistas. Porém, o admirável é a importante função social e o importante segmento cultural que esse movimento constitui. Capaz de agrupar sob os CTGs distintos interesses: do campeiro ao artístico, do lúdico ao gastronômico.

O que deve ficar claro é que nenhuma sociedade moderna consegue ser “pura”. Hoje, todas as sociedades são “híbridas culturais”. Não há como definir e selecionar o que é certo ou errado, o que é ou o que não é tradição. Afinal, as atuais gerações de tradicionalistas, viverão sempre na sombra de um passado e não construirão seu próprio modelo cultural?