A "MÃO VISÍVEL" DO ESTADO: O NOVO VELHO CICLO


Por Dejalma Cremonese
Dr. em Ciência Política

Desde as suas origens o capitalismo tem passado por constantes crises. Por vezes pregava-se o livre mercado (não-intervenção do Estado na economia), noutras ocasiões, pedia-se a sua intervenção, vide a crise de 1929. Para salvar o sistema econômico da época, o Estado intervencionista, de inspiração keynesiana foi acionado. Nos anos 70, no entanto, este modelo entrou novamente em crise. A partir daquela década, um novo ciclo se constitui, a volta do livre mercado (liberalização financeira) e da não-intervenção do Estado, sustentado a partir das teorias de Hayek e Friedman. Este modelo foi denominado de neoliberalismo.

A teoria neoliberal defendia a volta dos princípios do liberalismo clássico do século 18, do laissez-faire (livre mercado), além de reformas estruturais propostas por instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Fazia parte deste programa de reestruturação (ajustes), as reformas administrativa e previdenciária, que exigiram um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal; além da redefinição do papel do Estado na economia (desregulamentação econômica). Por desregulamentação econômica entende-se a tentativa de reduzir o tamanho do Estado, quebrar a coluna dos sindicatos, cortar os gastos sociais, liberar o mercado financeiro e abrir as comportas para o livre fluxo de bens e serviços. Ao contrário do que seus defensores alardeavam, as políticas neoliberais trouxeram recessão econômica, ingresso do capital externo, desemprego, aumento do trabalho informal, conflitos sociais, flexibilização dos direitos trabalhistas, precariedade e, ao mesmo tempo, o desmonte dos sistemas de seguridade social, de saúde e de educação.

As práticas neoliberais não fracassam apenas nas questões sociais. Sustentado em bases um tanto frágeis, economia virtual e especulativa (capitalismo de cassino), o modelo neoliberal tem enfrentado, novamente, uma crise sem precedente, uma das maiores do capitalismo em nível global dos últimos tempos. A crise atual decorre exatamente do mercado financeiro (defendido até o último momento pelos liberais como o único guardião e salvador do mundo). O mercado financeiro fez empréstimos ruins, diz Stiglitz (ex-chefe do Banco Mundial), como a bolha imobiliária norte-americana, foram feitos empréstimos com base em preços inflados. Estes empréstimos não podem ser pagos neste momento.


Agora, com a crise do livre mercado, o Estado é chamado a intervir novamente. É o pêndulo do relógio que, mais uma vez se movimenta, a sinalizar que mais um ciclo do capitalismo chega ao fim.

O epicentro da crise atual começou nos Estados Unidos da América, sendo a crise de confiança no sistema a razão principal. A origem está no deslocamento do capital produtivo para o capital especulativo: muita gente querendo ganhar manipulando dinheiro, uma embriaguez de enriquecimento sem trabalho. Vive-se especulando em qual bolsa de valores é possível aplicar e obter bons lucros. Outro aspecto diz respeito à busca escandalosa por recompensas econômicas excessivas até a especulação arriscada.


Segundo as palavras de Boaventura de Sousa Santos o impensável aconteceu: o Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução. A palavra não aparece na mídia americana, mas é disso que se trata: nacionalização. É perceptível, assim, a direta intervenção do Estado na economia. Governos de muitos países gastando bilhões de dólares para socorrer empresas falidas. Em outras palavras: os lucros são privatizados e as despesas socializadas. Nas palavras do economista Eduardo Giannetti: “Tem uma coisa profundamente errada do ponto de vista ético nesse sistema. É uma assimetria inaceitável de tratamento de ganhos e perdas”.


Cabe encerrar dizendo que a crise atual não é o colapso do capitalismo, e sim, o fim de um modelo sob a fachada neoliberal (articulação entre mercado, Estado e sociedade). Os neoliberais sempre pregaram a não-intervenção do Estado na economia; no entanto, a intervenção do Estado na economia tem sido a regra e não a exceção por muitas décadas. Como nos diz Noam Chomsky: “Nos últimos 15 anos 20 companhias entre as 100 maiores do mundo não teriam sobrevivido sem a ajuda dos seus governos. As demais 80 restantes obtiveram ganhos pela via de solicitar aos seus governos que ‘socializassem as perdas’”. Quem paga a conta, portanto, somos todos nós. Em outras palavras: passamos da mão “invisível” do Estado (era neoliberal) para a mão “visível” do Estado (momento atual). Mais do que nunca o Estado se faz presente. Aliás, como sempre, o Estado cumpre sua função básica, a de manter o sistema capitalista funcionando.