Por Cristóvam Buarque
Senador da República
Senador da República
No ano em que a Constituição Brasileira completa 20 anos, a governadora Yeda Crusius, do Rio Grande do Sul, com apoio de outros quatro governadores, solicitou ao Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucional da Lei 11.738/2008. A Lei define o Piso Nacional para os salários dos professores e determina que o professor reserve um terço de sua carga de trabalho para atividades de preparação de aulas, estudos, acompanhamento de alunos.
A reação dos governadores é como se o Presidente de uma Província (como era chamado o governador da época) solicitasse, em 1888, a inconstitucionalidade da Lei Áurea, em nome da autonomia dos Estados. Com uma diferença: naquela época, o “governador” teria razão de se preocupar com a desarticulação da economia e das finanças de sua província, em função da libertação dos escravos de um dia para o outro. A economia ficaria sem mão-de-obra; seria preciso contratar novos trabalhadores. A Lei Áurea foi uma decisão ética com um custo econômico, no primeiro momento. A Lei do Piso é uma decisão ética, mas sobretudo fundamental ao desenvolvimento social e econômico do Brasil.
Os governadores reclamam porque precisam aumentar o piso para apenas R$ 950 e limitar o número de horas de aula a não mais de seis por dia. Salário ainda pequeno e carga horária ainda elevada.
Diferentemente de 1888, o custo da aplicação da Lei do Piso será escalonado, até 2010, e tanto menor quanto mais altos forem os salários atuais e quanto menor for a carga de aula do professor.
Se, no Rio Grande do Sul, a implantação da lei do Piso exigir gastos educacionais elevados, a governadora Yeda Crusius deveria buscar a reorganização do seu orçamento para atender ao piso de R$ 950 e à carga de seis horas diárias. Se não fosse possível, seu dever seria liderar o povo gaúcho, especialmente os professores e os pais de alunos, para exigirem do Governo Federal, como está previsto na própria Lei 11.738, os recursos adicionais necessários. E se não recebesse resposta satisfatória, deveria entregar as escolas do Rio Grande do Sul à administração da União, federalizando-as, como se faz com universidades e escolas técnicas.
Isto está acontecendo com os bancos: para salvá-los, os governos centrais estão estatizando-os, diretamente ou de forma disfarçada. Mas para salvar as escolas, pede-se a inconstitucionalidade da lei. As crianças do Rio Grande do Sul merecem, no mínimo, o mesmo tratamento que os bancos.
Se o estado não tivesse recursos, a solução não estaria em considerar inconstitucional uma determinação que já deveria estar em vigor há décadas. A inconstitucionalidade é um recurso inadmissível: todos os estados e municípios aceitam o salário mínimo decidido pelo governo federal, aceitam pisos para diversas categorias, pagam aos seus deputados e juízes salários definidos por leis federais. Mas quando se trata do professor, recorre-se à autonomia de cada unidade da federação, como forma de não cumprir a lei.
No 20º aniversário da Constituição, os governadores desmoralizam a Carta Magna usando-a como barreira para não atender às necessidades da educação de seus estados. Em nome da autonomia estadual, tenta-se tirar a obrigação do Brasil de cuidar de suas crianças.
É triste ver que o século XXI não chegou para muitos dos líderes nacionais, que não entendem o papel da educação no mundo atual, no qual o principal capital é o conhecimento. Isso se explica pelo fato de nós – parlamentares, governadores e prefeitos – termos escolas privadas para nossos filhos. Por isso, seria tão importante aprovar o Projeto de Lei que está em tramitação no Senado e obriga todo eleito a colocar seus filhos na escola dos eleitores: a escola pública. Mas esse projeto certamente será considerado inconstitucional, ainda durante a tramitação.
Pobre Constituição, na qual a decência é considerada inconstitucional.