DILÚVIO NO PIRATINI : YEDA AVALIA SEU GOVERNO

“Não me preocupa a impopularidade”

Entrevista: Yeda Crusius, governadora

Na terça-feira, dia em que a Assembléia aprovou o orçamento do Estado com previsão de déficit zero, Yeda Crusius conversou por uma hora e meia com ZH em seu gabinete no Piratini. A síntese:

Zero Hora – O que muda na vida dos gaúchos com a conquista do déficit zero no orçamento?

Yeda Crusius
– Todo mundo sabe que não se pode viver eternamente pedindo emprestado. O déficit é isso. Quando você contrata um serviço e não tem como pagar, pede emprestado. Só que um dia acaba o crédito. No Rio Grande do Sul acabou. Como é que eu ia explicar isso? Só quando pudesse mostrar um resultado, e o resultado mais aberto foi eu ter conseguido pagar as folhas de dezembro e do 13º adiantadas, sem pedir emprestado. Só que as pessoas não percebem o resultado de pedir emprestado. Eram R$ 370 milhões de juros desde que se começou a tomar empréstimo para pagar o 13º. Com R$ 370 milhões dá para fazer Estrada do Sol, Rota do Sol, hospital. Só que ninguém via. Ninguém mais vai falar de déficit zero em 2009. Vai se falar de asfaltamento, de mais verba para a cultura. Mas a gente vai botar uma plaquinha: isso é fruto do déficit zero.

ZH – Mas a marca da sua administração será o déficit zero?

Yeda
– Na primeira parte do governo, sim.

ZH – E na segunda parte?

Yeda
– Será obra e serviço social. Quando a gente for inaugurar a escola perto de Vila Nova (em Porto Alegre), vou mostrar a foto de como ela era antes. Crianças foram transferidas para modulados enquanto a gente construía nova escola. Isso custa pouco mais de R$ 1 milhão. Com os juros que eu paguei (com o empréstimo no Banrisul para cobrir a folha do 13º) dava para fazer 370 escolas como essa de Vila Nova. Isso a gente vai começar a mostrar. Depende muito de comunicação. Só agora posso dizer que vamos ter uma comunicação profissional, porque temos o que mostrar. A comunicação do déficit zero não comunica nada.

ZH – A senhora teve mais coragem que os seus antecessores?

Yeda
– Acho que mais que os outros, né? O que é o déficit senão a falta de ação? O déficit público significa que você vai concedendo e depois vai ver como é que paga. Aí não paga, e como a coisa já está andando, as pessoas que dependem desse pagamento também não sabem a quem recorrer. Vi que era hora de alguém enfrentar o déficit, que era o maior problema político. Ao cobrir o déficit, você vai ferir interesses. Aí tem de ter coragem.

ZH – Em dois anos de mandato mudou a sua forma de governar?

Yeda
– Me sinto mais à vontade porque aos poucos as coisas vão dependendo menos de mim, que é o que eu queria. Fui muito escravizada nestes dois anos. Foi muito pesado para a governadora. Agora já há uma compreensão que permite que a máquina ande sozinha. Aquele que recebeu a delegação pode fazer sozinho. Mas tenho de confessar que não foi tão rápido como eu pensei que fosse colocar o projeto para andar. Deu mais trabalho. Foi bastante difícil.

ZH – Em entrevista ao programa Conversas Cruzadas, da TVCOM, a senhora disse uma frase que raramente se ouve de um governante: “Eu ainda tenho medidas impopulares para tomar”. Que medidas são essas?

Yeda
– São medidas de poder que demoram para ter a compreensão popular, por isso a impopularidade. Elas vão até o final do ano. A discussão que estamos fazendo de mudança de contrato com as empresas (prorrogação por mais 15 anos da concessão das praças de pedágio em troca de R$ 1 bilhão em investimentos nas estradas) é completamente aberta. Chegou a vez de a população também me dizer se quer. Às vezes, as pessoas não querem muita abertura. Preferem que alguém decida por elas por ser uma coisa muito impopular. O Duplica RS é aparentemente impopular, mas quando vier o resultado, todo mundo vai dizer que podíamos ter feito antes. É bem impopular fazer um decreto de corte de ponto (dos professores em greve) e ainda mais impopular cortar o ponto. Isso muda a relação entre governo e movimentos sindicais. Vai se aprender de novo a fazer greve. Os movimentos estão acostumados há décadas a repetir um padrão que não cabe mais num mundo sem inflação.

ZH – Em que momento a senhora decidiu que deveria cortar o ponto de quem faz greve?

Yeda
– Em meio a um movimento nacional de greve dos servidores públicos. A pior delas, a que dá mais a impressão de não haver regra, é a greve na segurança e na saúde. O que aconteceu em São Paulo alertou os responsáveis pelo poder. O Supremo Tribunal Federal havia dito que não pode haver relação sem regra. Os ministros decidiram que as regras para a greve do serviço público são as mesmas do setor privado, e cada governador que faça o que tem de fazer.

ZH – A senhora está preocupada com o desgaste da sua imagem junto ao funcionário público?

Yeda
– Não me preocupa a impopularidade. Me preocupa muito mais o que aconteceu nesses dois primeiros anos em termos de dúvida sobre o meu comportamento ético, a minha honestidade (numa referência às suspeitas levantadas sobre a compra de sua casa em 2006). Me preocupa a decepção que esse período foi capaz de causar em cabeças do povo. O que foi feito foi uma destruição da imagem gerada por um trabalho de vida inteira. Mas passou. A impopularidade ou a forma irada e agressiva de certos segmentos sempre existiu.

ZH – A senhora já disse que no auge da crise do governo, no primeiro semestre deste ano, procurou se aconselhar. A senhora tem um grupo de consultores?

Yeda
– Tenho, e eu vou querer que eles sejam conhecidos em breve. Não são pessoas amigas, são pessoas acima de qualquer dúvida e de segmentos distintos.

ZH – Um conselho de notáveis?

Yeda
– Um conselho de notáveis.

ZH – Quem são?

Yeda
– São 10. Ainda não pedi autorização deles para dizer publicamente, mas em breve serão apresentados. São pessoas que tiveram papel importante nas várias fases históricas do Estado. São pessoas que concordaram em reunir-se uma vez a cada mês, porque a agenda deles é terrível. São da área política, das descobertas médicas, do agronegócio, da filosofia, da ação do terceiro setor.

ZH – A senhora submeteria a esse conselho questões como a do corte de ponto do magistério?

Yeda
– Sim, é conselho para ser aberto a todos os assuntos de Estado.

ZH – Ao fazer isso, a senhora não corre o risco de dividir uma responsabilidade que é sua e criar um confronto com o conselho?

Yeda
– Não sou eu quem vai criar a agenda do conselho, então é claro que se o conselho quiser discutir o corte de ponto ficará autorizado. Não há interferência da governadora.

ZH – O comandante da Brigada, coronel Paulo Mendes, tem feito intervenções fortes nas manifestações contra o governo. A senhora, que é de um partido com histórico de luta contra o autoritarismo, não se preocupa com a possibilidade de esses conflitos ganharem proporções exageradas?

Yeda
– O PSDB nasceu com senso de responsabilidade na testa. Não somos um sindicato, somos um partido. Quando a gente toma o encargo de governar um Estado, tem de responder àquelas coisas chatas: lei, disciplina, ordem, iniciativa, política pública. O coronel Mendes repôs a auto-estima da Brigada, ele é um brigadiano, ele me recebe com o uniforme de campanha. Ele não se paramenta para falar com a governadora porque ele é um homem de operação, conhece como poucos a legislação.

ZH – O coronel Mendes tem mais visibilidade que o secretário de Segurança. Ele é o verdadeiro secretário?

Yeda
– A Brigada Militar tem 171 anos, ela carrega o histórico de ensinar disciplina, valorizar a categoria, que é muito mal remunerada. Agora, a democracia evoluiu de tal maneira que existe uma Secretaria de Segurança Pública. Ela cuida de prevenir, de reprimir. Ela tem a Polícia Civil e Polícia Militar. Essas duas polícias se integram na ação, mas como instituições são diferentes. Não há possibilidade de integrá-las. Aqui no Rio Grande do Sul, não. A gente é o conjunto das coisas que a história trouxe. O coronel Mendes é o comandante da Brigada Militar. Ali ninguém se mete, e é bom que seja assim.

ZH – O PSDB lançou a sua candidatura à reeleição. A senhora é candidata a um novo mandato?

Yeda
– Do partido eu sou candidata, mas acho a discussão prematura.

ZH – Quem lançou a candidatura foi sua amiga e deputada Zilá Breitenbach. Ela faria isso sem o seu consentimento?

Yeda
– Faria, tanto que ela me telefonou para saber se eu tinha ficado brava. Como presidente de partido, ela tem de ter perspectiva de poder.

ZH – A senhora e o seu vice, Paulo Feijó, vão continuar sem se falar até quando? Está bom assim para a senhora?

Yeda
– Não, não está bom. O povo gostaria de nos ver juntos, mas não depende de um só. Ele próprio passou por momentos dramáticos (a morte de uma filha de Feijó no início do ano). Dê-se tempo ao tempo. Com o tempo, também vai se somando o amadurecimento das pessoas.

FONTE: Jornal Zero Hora