ELIANE BRUM - JORNALISTA IJUIENSE NO CENÁRIO NACIONAL

São os vinte anos de estrada, desde que iniciou sua carreira como repórter na Zero Hora, no Rio Grande do Sul, que a gaúcha Eliane Brum coloca no divã em seu terceiro livro "O olho da rua", publicado pela Editora Globo, na Livraria da Vila, em São Paulo (SP).
No livro, a jornalista - repórter especial de Época desde 2000 - compila dez grandes reportagens realizadas por ela na revista e conta os bastidores de sua apuração, em textos inéditos, que mostram suas decisões, seus erros e acertos durante o desenvolvimento de cada matéria.
Neste exercício, Eliane aproveita para refletir a função do jornalista e conclui que a prática da profissão exige reflexão constante. "Nossa responsabilidade é muito grande, é enorme. Nós contamos a história cotidiana... Se perdermos a sensibilidade para a realidade da vida que contamos, perdemos com ela o direito de exercer uma profissão que documenta a história acontecendo", disse ao Portal IMPRENSA.


No livro "A vida que ninguém vê" você conta lindas histórias de anônimos, publicadas na Zero Hora. Nesse, você selecionou 10 grandes reportagens. Como escolher entre tantas matérias?

Eliane Brum - Foi bem difícil escolher. Até agora fico doída por causa de algumas que ficaram de fora, especialmente de uma em particular. Tinha esperança de convencer a editora a colocar 11 ou 12 ou... 20 (risos), mas o livro passou das 400 páginas e até eu, que sempre escrevo o dobro do que me pedem e estou sempre brigando por espaço, tive de aceitar que não entrava mais nada. A escolha foi minha. Escolhi as que eu mais gostava e as que eu fiz sozinha, aquelas em que cheguei mais perto de tudo aquilo que acredito no jornalismo. De certa maneira, são aquelas reportagens com as quais tenho uma relação de afeto. Aquelas nas quais me reconheço. E aquelas que me transformaram, porque eu acredito profundamente que uma das maravilhas de ser repórter é voltar transformado de cada viagem - seja à Amazônia ou à periferia de São Paulo. Então, de algum modo, fui transformada por estas dez reportagens. E tenho a esperança de que elas possam transformar um pouquinho o jeito de olhar do leitor. Ou pelo menos dar a ele alguma coisa que possa permanecer após a leitura.

Muito jornalista fala que depois de muito tempo na rua, o profissional endurece e perde sua sensibilidade. Para você, isso é verdade?

Eliane - De jeito nenhum. Eu me torno é cada vez mais sensível. Em vez de ficar com a casca mais grossa, me acontece o contrário: perco a pele, tenho de esperar outra vir já contendo essa nova experiência. E cada nova experiência me traz algo que me permite enxergar com mais amplitude o mundo de fora, porque o horizonte que me habita se tornou mais largo.
Se um dia eu for para a rua e ficar indiferente, não conseguir mais enxergar nem alcançar o outro, largo a profissão e vou fazer outra coisa. Nossa responsabilidade é muito grande, é enorme. Nós contamos a história cotidiana de uma pessoa, de uma rua, do país, do mundo. O que fazemos é documento. Se perdermos a sensibilidade para a realidade da vida que contamos, perdemos com ela o direito de exercer uma profissão que documenta a história acontecendo.
Sem contar que a vida fica muito sem graça. A delícia de ser repórter é justamente se despir do que é. Se despir de seus preconceitos e de sua visão de mundo, para alcançar uma realidade outra. E depois empreender o caminho de volta para contar essa realidade ao leitor com o máximo de precisão, com o máximo de riqueza, para que ele possa fazer suas próprias escolhas.

O que, na sua opinião, faz de uma reportagem uma grande reportagem?
Eliane - Certamente não é (apenas) o tamanho, embora as que estão neste livro são todas grandes também em número de páginas. Mas se a reportagem tiver 20 páginas e só disser mais do mesmo, não trouxer nada de novo ou surpreendente, não contribuir para a reflexão sobre aquela determinada realidade, acho que ela é pequena. Em vez de ampliar a realidade, acrescentar mais nuances, cometeu o crime de reduzi-la. Grandes reportagens são aquelas que retratam a realidade com profundidade e também com um ângulo surpreendente. Abarcam, na narrativa, a complexidade daquela realidade que foi buscar. Fazem o leitor pensar, se espantar. Inquietam.

Alguma matéria que você tinha certeza de que estaria no livro ficou de fora?

Eliane - Há uma que eu queria muito que estivesse no livro. Mas eu tive de fazer uma escolha. E ela não entrou. É uma das histórias mais extraordinárias que já me aconteceram e eu ainda pretendo encontrar uma forma de contá-la. Acabou doendo tanto não tê-la incluído que decidi ampliar a apuração e fazer um livro só sobre ela. Mas isso é pra mais adiante. Agora eu preciso desesperadamente de férias.

Quando surgiu a idéia de compilar as matérias em um livro?

Eliane - A sugestão foi da Aida Veiga, ex-colega de Época, que é atualmente editora da Globo Livros. Ela sugeriu fazer um livro com algumas de minhas melhores reportagens, e eu propus que não fosse apenas uma coletânea de matérias, mas que o livro tivesse textos que refletissem sobre cada reportagem e sobre o exercício da profissão. Então, escrevi um texto inédito para cada reportagem, contando das escolhas que fiz, dos impasses que vivi e também dos erros que cometi.
De certo modo, é um balanço destes 20 anos de reportagem. Enquanto escrevia fui refletindo sobre a minha própria prática. E procurei fazer essa reflexão com muita honestidade. Fiz um grande mergulho. Escolhi me expor.
A idéia é que seja um livro para todo mundo: tanto para quem gosta de histórias reais, gosta de reportagem, quanto para estudantes de jornalismo e para repórteres que, como eu, estão sempre cheios de incertezas sobre a melhor maneira de exercer esta que, acredito profundamente, é a melhor profissão do mundo.

Você teve um ótimo retorno com a "A Vida que ninguém vê". O que você espera desta nova publicação?

Eliane - Espero que seja lida!! Tenho a pretensão de que quem leia seja um pouco transformado por estas histórias todas como eu fui. Sonho com isso, que o livro faça alguma diferença. Sou apaixonada por jornalismo, ser repórter (e mãe da Maíra) é o que eu sou de mais profundo. Então, espero ter conseguido ser neste livro. E que isso ecoe em alguém, faça algo de bom para alguém.