OBAMA E ROOSEVELT

Por Boris Fausto

Historiador

Nos dias que correm, a comparação entre o presidente eleito Barak Obama e o presidente Franklin D. Roosevelt surge, a cada momento, na voz e nos escritos dos analistas econômicos. Mais do que às personalidades das duas figuras públicas, as atenções se voltam para a semelhança de duas conjunturas: a da Grande Depressão, iniciada em 1929, e a atual, cujos desdobramentos não conhecemos em toda a extensão.

Aparentemente, no plano da biografia, nada mais distante do que a história de Obama e a de Roosevelt. A esta altura, a vida de Obama tornou-se conhecida, ao menos em seus traços principais. Quanto a Roosevelt, lembremos que ele era obviamente branco, de família aristocrática - no sentido amplo do termo - e primo distante de Theodore Roosevelt, infatigável presidente dos Estados Unidos, nos primeiros anos do século 20.

Antes de chegar à Casa Branca, Roosevelt tinha a sustentá-lo uma consistente carreira política, na qual estreou como senador estadual do Estado de Nova York em 1910, com apenas 28 anos. Ao chegar à presidência, era, pois, bem mais experiente do que Obama, que não ocupou anteriormente um só cargo no Executivo, circunstância muito explorada pelos republicanos no curso da campanha eleitoral.

Apesar dessas diferenças, alguns traços pessoais aproximam os dois presidentes. Ambos se revelaram oradores notáveis, ainda que Roosevelt, por força da paralisia decorrente da poliomielite, não pudesse exibir o gestual e a movimentação que tornaram Obama imbatível no plano da comunicação. Ao mesmo tempo, o presidente eleito tem sido acusado por alguns críticos de ser evasivo em seus discursos. Curiosa semelhança: referindo-se à campanha presidencial de Roosevelt em 1932, seu biógrafo Roy Jenkins, em Frank Delano Roosevelt (Times Books, 2003), acentuou que ela foi "um triunfo do estilo, mas não de substância".

Mas é, sem dúvida, no plano das conjunturas históricas enfrentadas pelos dois presidentes que as aproximações se impõem, ressalvadas as nítidas diferenças de época. Para começar, ambos conseguiram chegar à Casa Branca beneficiados pela crise. Notemos, porém, que o triunfo de Roosevelt foi mais amplo que o de Obama, pois ele obteve em torno de 60% dos votos populares, contra 40% dados a Herbert Hoover, traduzindo-se no Colégio Eleitoral em 472 votos contra 59. Por sua vez, Obama obteve 52,8% dos votos populares, contra 45,9% de John McCain, alcançando no Colégio Eleitoral 365 votos contra 173. Por certo, como se tem dito, o racismo inconfesso explica boa parte dessa margem relativamente estreita de votos populares.

Na campanha presidencial, ao longo de 1932, Roosevelt não anunciou as medidas que iria tomar contra a depressão e que o tornaram célebre. Suas preocupações com o corte de gastos e o equilíbrio orçamentário não divergiam do ponto de vista ortodoxo sustentado pelo então presidente Hoover, mas tudo mudou com a chegada ao poder.

Obama delineou, de saída, os pressupostos de sua ação e rapidamente construiu sua equipe financeira, tornando-se o centro da cena política americana, embora insista em dizer - noblesse oblige - que, por ora, só há um presidente dos Estados Unidos. Está claro também que o momento impõe o aumento de gastos, não apenas para socorrer pontualmente gigantescas corporações à beira da falência, mas para dar impulso à economia e criar algo em torno de 2,5 milhões de empregos, nos próximos dois anos.

O presidente eleito não ignora que esse programa agravará o sério problema do déficit das contas públicas, herdado do governo George W. Bush, porém essa é uma questão que ele deverá enfrentar numa segunda etapa, ainda que esteja disposto a cortar gastos orçamentários supérfluos.

Ao assumir o poder, Roosevelt empreendeu a extraordinária série de iniciativas conhecidas como "New Deal", havendo, na realidade, dois planos sucessivos: o "New Deal" lançado logo após a posse do presidente e um segundo, com objetivos predominantemente sociais, lançado em 1935. As primeiras medidas, entre outros aspectos, destinaram-se a sanear o sistema financeiro, tratando de impedir as manipulações e outras práticas fraudulentas no mercado de ações; a fornecer créditos em condições favoráveis a agricultores cujas fazendas estavam hipotecadas e a dar impulso ao desenvolvimento regional, nas regiões mais pobres do país, com a criação da TVA - a Tennessee Valley Authority.

O "New Deal" de Obama prevê uma série de iniciativas semelhantes, com especificidades decorrentes de novos tempos, como, por exemplo, o incentivo a atividades geradoras de energia limpa, algo de que ninguém cogitava nos anos 30 do século passado. É significativo assinalar, aliás, que o programa de Roosevelt foi tachado por seus críticos de "socialista", uma acusação que o candidato republicano McCain fez a Obama, durante a campanha eleitoral, passados quase 80 anos.

Em que medida o "New Deal" de Roosevelt foi um sucesso? Se há concordância em que as iniciativas governamentais foram ousadas e contribuíram para reduzir os efeitos da depressão, uma ponderável corrente de economistas afirma ter sido a 2ª Guerra Mundial o fator principal que, trágica e paradoxalmente, livrou os Estados Unidos da longa depressão, lembrando a recaída desenhada em 1938.

Felizmente, o presidente eleito Barack Obama não tem pela frente um cenário de guerra de proporções mundiais. Mas tem diante de si uma guerra surda cujas explosões econômicas e sociais continuam em marcha. Dúvidas, incertezas e esperanças pontilham seu caminho. Terá ele o êxito alcançado por seu predecessor?

Cruzemos os dedos, por uma resposta afirmativa.