A FACE OCULTA DE DICO EMERGE 70 ANOS DEPOIS

Nas reviravoltas da história, cada tempo produz a sua história. É normal se fazer a reinterpretação dos fatos depois do desaparecimento dos personagens envolvidos. É o que se está fazendo nesta matéria.
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Entrevista:

Augusto de Andrades: "Dico mandava matá"



Augusto de Andrades, agricultor, hoje com 82 anos e vivendo com a família na linha 12 Leste – que atualmente pertence ao município de Bozano – foi dado pela sua mãe com tenra idade à família de Luiz Amaro e Emília Agostini para que fosse criado. Quieto e esperto, Andrades foi observando desde pequeno que fatos anormais aconteciam ao seu redor, o que mais lhe aguçavam a curiosidade.

Luiz Amaro era o chefe dos capangas do Coronel Dico, o homem todo-poderoso de Ijuí, que detinha um poder absoluto no município tendo governado de 1912 a 1938. Filiado ao Partido Republicano Riograndense do Governador Borges de Medeiros, Dico era chimango do lenço branco – os maragatos eram oposicionistas e usavam o lenço vermelho – e dono do município mantendo para isso um grupo de capangas que tudo vigiavam e que executavam as ordens para “serviços sujos” que eram eliminar adversários ou ladrões incorrigíveis.

Para tanto, era usada a turma de capangas de Luiz Amaro que residia no Alto da União. Augusto de Andrades passou a acompanhar estas movimentações e descobriu o que realmente acontecia. Nesta entrevista, concedida ao Professor Hilário Barbian, ele conta o que viu passados mais de setenta anos cujo tempo ele estimou que seria suficiente para relatar os fatos. A seguir a entrevista:


Qual era o “serviço” que o Luiz Amaro tinha que fazer?

Ele nem fazia nada. Quem fazia era a peonada. Ele era empresário de lenha e carreirista. Só que ele não sabia atar uma carreira.

E o que o senhor sabe da atividade do Luiz Amaro quanto aos inimigos políticos do Coronel Dico?

Ah, ele era contra. E certos camadas ele mandavam mata. Isso é uma coisa que eu nunca gostei de falar. Mas ele mandava mata. Quando já tava mais grandinho eu já ouvia mas não podia fala não.

Que idade o senhor tinha?

Eu não me lembro a idade. Eu era piá. Mas não podia fala nada porque ... Porque lá desapareceu o Osvaldo e o João Negrinho (eram irmãos de criação). Ela (a mãe adotiva Emília Agostini) disse que fugiram. Mas não. Eles não fugiram. Eles, eu tenho na cabeça que ele (o pai adotivo Luiz Amaro) mandou mata.

Seriam os teus irmãos de criação?

É, seriam os meus irmãos. Porque eles ajudavam a fazer prisão. De repente eles desapareceram os dois. É a coisa lá era braba. Como ele mandou mata o Nehring. Aquilo foi a maior injustiça que o véio mandou fazer. Eles era amigos do peito porque era pra ser cunhados. E a velha que não queria o casamento da filha com o Domingo. Por isso mandou a filha para Carazinho. Mas eles se comunicavam . E no fim aconteceu aquilo. (O casal se suicidou com veneno num hotel em Carazinho). E o véio raivoso e era Major mandou fazer aquilo (matar o Nehring, irmão da noiva). E depois começou a perseguição pra pega a véio (em 1937 o Coronel Dico foi deposto do cargo de Intendente – Prefeito – e seus capangas, entre eles Luiz Amaro, começaram a sofrer a perseguição).

E aí onde seu pai foi se esconder?

Ele ficou escondido no mato. Um dia ele tava pra cá, outro dia ele tava pra. Naquele tempo tinha bastante mataria. Ele não ficava só num lugar. De noite, as vezes ele vinha em casa. Então, era o João, eu e a veia Emília que levava comida pra ele. Mas saía pra lá pra depois vim pra cá para despistar. Era o nosso ensino.
E aí ele não pôde mais viver aqui por causa da perseguição. Aí ele foi parar lá em Frederico Westphalen que era chamado de Barril antigamente. E aí arrumou um fundo lá pra ele com o João Reis que era Delegado ... Sabe, tudo combinado ... compreende! Mas a veia Emília ficou negociando mais um tempo lá no Alto da União onde tinha comércio. (Devido a perseguição e com medo de ser morto Luiz Amaro, esposa e filhos adotivos foram se esconder em Alba Posse, na província de Missiones, contíguo a Porto Mauá).