Eric Hobsbawn: um escritor ousado, um historiador preso ao passado


Eric Hobsbawm foi uma figura controversa até o final de sua vida. Intelectual público, dos maiores que o Reino Unido já teve, foi atacado e elogiado no dia de sua morte, 1º de outubro, aos 95 anos. O jornal conservador britânico Daily Mail foi responsável pelas críticas mais contundentes, e o liberal The Guardian pelos maiores elogios. A ideologia marxista marcou o trabalho e a reputação internacional de Hobsbawm – e, em parte por causa da ideologia, era elogiado ou atacado.

EM SALA DE AULA O intelectual britânico Eric Hobsbawm. Ele aprendeu a ser claro e vibrante dando aulas num curso noturno  (Foto: Jane Bown/The Guardian)
Hobsbawm nasceu em 9 de junho de 1917, em Alexandria, no Egito, às vésperas da Revolução Russa. Filho de um judeu inglês e de uma judia austríaca, passou a infância em Viena e Berlim, cidades que marcaram sua formação. Em Viena, viveu entre um povo que recordava com nostalgia um império cujo esplendor acabara em 1914. Em Berlim, testemunhou a ascensão dos nazistas ao poder, entre 1930 e 1931. Visto como estrangeiro na Alemanha, onde viveu com um tio e uma tia (seus pais morreram quando ele ainda era jovem), Hobsbawm foi um estudante precoce. Seus anos em Berlim deram-lhe a consciência de que vivia um período importante da história. Quando tinha 15 anos, um professor recomendou que lesse o Manifesto comunista. “Foi como o sexo”, disse anos mais tarde. A leitura transformou sua vida.
Hobsbawm se mudou para a Inglaterra em 1933. Achou o país uma chatice na comparação com Berlim. Entrou no Partido Comunista quando estudava na Universidade de Cambridge, e lá ficou até o início da década de 1990. Seu casamento com o comunismo foi bem mais duradouro que o de vários de seus colegas, que deixariam o partido depois que a Revolução Húngara foi reprimida pelos tanques soviéticos, em 1956. Hobsbawm nunca reconheceu os crimes de Stalin nem o assassinato de milhares de poloneses pelos soviéticos na Floresta de Katyn (execução em massa ocorrida na Rússia durante a Segunda Guerra Mundial). Ao longo da vida, fez apologia do stalinismo. Hobsbawm acreditava que seu apoio incondicional ao regime soviético, apesar de seus problemas, era parte da expressão de sua fé na capacidade humana de refazer o mundo de acordo com seus ideais.

Não há dúvida de que Hobsbawm sofreu com os resultados de sua devoção duradoura ao comunismo. Ele não conseguiu trabalho em Cambridge. Lecionou por muitos anos no Birkbeck College, em Londres – para sua carreira como professor, sem grande relevância. Sua experiência em Birkbeck fez dele um escritor melhor. Por causa do contato com os alunos, tornou-se um historiador capaz de se expressar de forma clara, com um estilo ousado de narrativa e uma capacidade de síntese intelectual formidável. Era capaz de manter seus alunos atentos a sua aula de história às 9 horas da noite, depois de um longo dia de trabalho. Hobsbawm combinava seus amplos conhecimentos em história política com boas sacadas sobre ciências sociais. Acreditava na importância da boa narrativa num livro de história, na ordem cronológica e no ceticismo diante dos fatos.

Entre suas grandes obras reconhecidas pelo público estão Era da revolução 1789-1848 e Era dos impérios 1875-1914, além de Era dos extremos (que abrange o período entre 1914 e 1991). Sua autobiografia, Tempos interessantes, é reconhecida como sua obra-prima. O trabalho final de Hobsbawm, Fractured spring (algo como Primavera fraturada), é uma coleção de ensaios que será publicada em março de 2013. Uma de suas características foi transformar a interpretação dos movimentos sociais. Em seus livros, bandidos e foras da lei são frequentemente transformados em campeões de justiça social – esse é o tema central do livro Bandits, publicado em 1969.

Hobsbawm tinha muitos admiradores no Brasil e acreditava que os brasileiros entendiam suas obras melhor que os outros. Ele costumava dizer que se sentia à vontade no Brasil em termos ideológicos. Hobsbawm escreveu, com admiração, sobre o Partido dos Trabalhadores. A história, para ele, era antes de tudo mudança, e ele acreditava que os brasileiros entendiam isso instintivamente.

Hobsbawm, no entanto, estava decepcionado ao final de sua vida. A grande mudança, a transformação radical que tanto esperava, não aconteceu. Marx forneceu a Hobsbawm uma poderosa ferramenta para analisar o passado. Mas o marxismo, ao final, não foi tão bom em oferecer uma alternativa para o futuro.
O inglês Kenneth Maxwell é historiador, autor de A devassa da devassa e Pombal, paradoxo do Iluminismo