Fernando Reimers: desafios da educação no século 21

Entrevista: Fernando Reimers

(Eleonora Villegas Reimers/Divulgação)

 

Construir uma educação de qualidade é uma das principais urgências do Brasil. Para tratar sobre os desafios do país neste tema, entrevistamos Fernando Reimers, um dos maiores especialistas do mundo no assunto. Professor de Educação Internacional da Fundação Ford e diretor do Programa de Políticas Educacionais Internacionais da Universidade de Harvard, Reimers esteve recentemente no Brasil em um convênio com a Universidade Federal de Juiz de Fora. Confira abaixo o que ele tem a dizer sobre tecnologia, inovação e liderança em educação.

Que desafios o Brasil precisa enfrentar para ter um ensino de alto padrão?

Fernando Reimers - A sociedade brasileira reconhece que construir um sistema educacional de ponta é central para sustentar o desenvolvimento necessário para diminuir a pobreza, promover inclusão social e fomentar a prosperidade. Há uma clara prioridade pela educação no país, tanto por parte do governo quanto pela sociedade civil. Um importante desafio em quaisquer nações com altas perspectivas educacionais é a capacidade de executar e implementar mudanças. É notável que, dentre todo o entusiasmo pela educação brasileira, existe uma distinção entre as organizações e instituições comprometidas com sua implementação e execução e aquelas satisfeitas em só fazer parte da discussão.


O Rio Grande do Sul tem os níveis mais altos de repetência no Ensino Médio. O senhor pensa que reprovar estudantes é uma via para que eles aprendam mais e melhor?

Reimers - Altos índices de reprovação são reflexo de uma personalização inadequada da educação, que não consegue atender a necessidade desses estudantes. Nós vivemos em uma época extraordinária em que o desenvolvimento da ciência do aprendizado, o conhecimento sobre ensino e liderança escolar, e diversas inovações pedagógicas e educacionais permitiram, através do desenvolvimento de novas tecnologias, personalizar a educação muito mais do que era possível no passado. Qualquer sistema de ensino com altas taxas de repetência deveria desenvolver oportunidades de aperfeiçoamento do currículo, de materiais didáticos e pedagógicos. Isso passa pela qualificação de professores e líderes escolares.


Quais competências e habilidades o professor do século XXI deve ter para ministrar aulas melhores e mais interessantes?

Reimers - No século XXI, as escolas devem ter como produto não somente o conhecimento de fatos, mas a capacidade de usar esses dados para resolver problemas, transferindo conhecimento de uma disciplina para uma gama de contextos. Também é importante desenvolver o pensamento inovativo, criativo e crítico, o aprendizado contínuo, a comunicação efetiva, além de ser consciente e persistente, tentando fazer o melhor trabalho possível. Também é necessário ser capaz de disciplinar, de lidar com as emoções alheias, de ter competências socioemocionais. Para auxiliar os estudantes a desenvolver essas competências, os professores precisam pensar seu papel de maneira diferenciada.

O governo precisa de muito dinheiro para ter uma boa educação ou existem soluções criativas que podem superar problemas econômicos? Qual o papel da tecnologia nesse aspecto?

Reimers - Com certeza não é possível tirar leite de pedra, e recursos são necessários para uma educação de alta qualidade. Precisa-se dinheiro para criar estruturas de educação adequadas, para remunerar professores e diretores de maneira justa, para qualificar os profissionais da educação, para apoiar inovações. Isto dito, os sistemas de educação com melhor desempenho no mundo todo não são aqueles que gastam mais por estudante, mas sim aqueles que gerenciam o dinheiro inteligentemente, implementando abordagens efetivas e inovativas de educação. É por isso que é tão importante desenvolver lideranças educacionais.

Quais as mais importantes lições que o senhor aprendeu sobre educação em sua carreira?

Reimers - 1) A Educação deve cultivar a ação, a voz e a eficácia das pessoas. Nós precisamos auxiliar os educadores a desenvolver suas habilidades de resolução de problemas. Nós precisamos substituir o viés contemplativo, muito presente na educação, pela ênfase no cultivo de uma educação orientada para ação, pela disposição de criar e de transformar o mundo e nossas circunstâncias. Pedagogias capazes de cultivar o aprendizado incluem ensino baseado em projetos, aprendizado expedicionário, engenharia da educação, educação empreendedora, estúdios de design e workshops.

2) A educação deveria cultivar excelência acadêmica, desenvolvimento de caráter e competência sócio-emocional simultaneamente. Estudantes deveriam desenvolver bases éticas que fundamentem suas habilidades e disposição de raciocinar moralmente e agir responsavelmente, e a capacidade de trabalhar em grupo.

3) As habilidades e motivações de aprender de maneira contínua, independente e em grupo, e também de reaprender, tornaram-se mais importantes. O aprendizado da educação online deve ser acessível a todos os estudantes, pois assim eles estão preparados para usar esse aprendizado para toda a vida. Estudantes deveriam ter vivência de diferentes modos de ensino e aprendizagem no ambiente escolar, aprendendo com os professores, mas também com seus colegas, e também ensinando a eles.

4) A globalização cria novas demandas de cognição e de habilidade, e portanto novas oportunidades de educação, tanto para escolas quanto para professores. Para participar, como cidadãos ou produtores, todos precisam ser capazes de entender a globalização, ter curiosidade sobre os negócios globais, sabendo como aprofundar o conhecimento, quando necessário, e ter capacidade de comunicação, trabalho produtivo e respeitoso entre pessoas de diferentes países e realidades culturais.

5) No ato de equilíbrio que a educação representa entre tradição e inovação, nós precisamos estimular a pauta de inovação ajudando os estudantes a se antecipar e preparar para o futuro, assim como para inventá-lo. Isso significa que o cultivo de competências inovadoras deve ser um resultado desejado pela educação, e para alcançar esse objetivo, nós precisamos de abordagens e culturas inovadoras e de lideranças em instituições de ensino.
Fonte: ClicRBS