Crise do Sistema Colonial


CRISE DO SISTEMA COLONIAL
A efervescência cultural e as grandes transformações políticas em curso no mundo ocidental na passagem do século XVIII para o XIX têm repercussão no Brasil. Na França, é a época do iluminismo, quando o pensamento liberal se rebela contra as instituições do antigo regime. Na Inglaterra, a revolução industrial transforma rapidamente as tradicionais estruturas econômicas. A independência dos Estados Unidos, em 4 de julho de 1776, primeira grande ruptura do sistema colonial europeu, torna-se um modelo para as elites nativas das demais colônias do continente. No Brasil, os pesados impostos, as restrições ao livre comércio e as proibições às atividades industriais vão acirrando os conflitos entre as elites locais e o poder metropolitano. Eclodem as primeiras rebeliões claramente emancipatórias: a Inconfidência Mineira (1788/1789) e a Conjuração Baiana, ou dos Alfaiates (1798).
Absolutismo português
Em Portugal, o absolutismo – centralização do poder na figura do governante – atinge seu apogeu durante o reinado de dom José I, reconhecido como "déspota esclarecido", e de seu ministro, o marquês de Pombal. Para fortalecer o poder real, eles reformam o Exército e a burocracia estatal, subjugam a nobreza e reduzem o poder do clero. Sua política gera crises internas e nas colônias. O ministro é obrigado a demitir-se em 4 de março de 1777. No mesmo ano morre o rei dom José e o trono português é ocupado por sua filha, dona Maria.
Restrições ao comércio e à indústria – A política econômica de Pombal resulta em maior controle da metrópole sobre a colônia. O ministro tenta limitar as brechas no monopólio comercial português, abertas pelos tratados com a Inglaterra. As elites brasileiras percebem que têm mais a lucrar com o livre comércio e encontram no liberalismo a base teórica para defender seus interesses. O governo português também tenta evitar a diversificação da economia na colônia. Em 1785 manda fechar as oficinas de metalurgia, ourivesaria e as manufaturas têxteis no território brasileiro. O afastamento de Pombal não diminui os conflitos da elite brasileira com a metrópole.
Inconfidência mineira
Os inconfidentes querem a independência do Brasil e instaurar a República. Pretendem incentivar as manufaturas, proibidas desde 1785, e fundar uma universidade em Vila Rica, atual Ouro Preto. Integrado por membros da elite intelectual e econômica da região – fazendeiros e grandes comerciantes –, o movimento reflete as contradições desses segmentos: sua bandeira traz o lema Libertas quae sera tamem (Liberdade ainda que tardia), mas não se propõe a abolir a escravidão.
Conspiradores – Entre os conspiradores estão Inácio José de Alvarenga Peixoto, ex-ouvidor de São João del Rey; Cláudio Manoel da Costa, poeta e jurista; tenente-coronel Francisco Freire de Andrada; Tomás Antônio Gonzaga, português, poeta, jurista e ouvidor de Vila Rica; José Álvares Maciel, estudante de Química em Coimbra que, junto com Joaquim José Maia, procura o apoio do presidente americano Thomas Jefferson; Francisco Antônio de Oliveira, José Lopes de Oliveira, Domingos Vidal Barbosa, Salvador Amaral Gurgel, o cônego Luís Vieira da Silva; os padres Manoel Rodrigues da Costa, José de Oliveira Rolim e Carlos Toledo; e o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Derrama – O momento escolhido para a eclosão da revolta é o da cobrança da derrama, imposto adotado por Portugal no período de declínio da mineração do ouro. A Coroa fixa um teto mínimo de 100 arrobas para o valor do quinto. Se ele não é atingido, os mineradores ficam em dívida com o fisco. Na época, essa dívida coletiva chega a 500 arrobas de ouro, ou 7.500 quilos. Na derrama, a população das minas é obrigada a entregar seus bens para integralizar o valor da dívida.
A devassa – O movimento é denunciado pelos portugueses Joaquim Silvério dos Reis, Brito Malheiros e Correia Pamplona, em 5 de março de 1789. Devedores de grandes somas ao tesouro real, eles entregam os parceiros em troca do perdão de suas dívidas. Em 10 de maio de 1789 Tiradentes é preso. Instaura-se a devassa – processo para estabelecer a culpa dos conspiradores –, que dura três anos. Em 18 de abril de 1792 são lavradas as sentenças: 11 são condenados à forca, os demais à prisão perpétua em degredo na África e ao açoite em praça pública. As sentenças dos sacerdotes envolvidos na conspiração permanecem secretas. Cláudio Manoel da Costa morre em sua cela. Tiradentes tem execução pública: enforcado no Rio de Janeiro em 21 de abril de 1792, seu corpo é levado para Vila Rica, onde é esquartejado e os pedaços expostos em vias públicas. Os demais conspiradores são degredados.
Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), o Tiradentes, entra para a história como principal líder do movimento. Filho de um proprietário rural sem fortuna, aprende as primeiras letras com um de seus irmãos. Mais tarde, trabalha com um cirurgião, seu padrinho, e aprende noções práticas de medicina e odontologia. Antes de se tornar soldado, exerce vários ofícios: tropeiro, minerador e dentista, origem do apelido Tiradentes. Oficial do Regimento dos Dragões das Minas Gerais, sem raízes na aristocracia local, é sistematicamente preterido nas promoções. Para alguns historiadores, Tiradentes é apenas um idealista ingênuo, manipulado pela elite que articula e dirige a Inconfidência. Entre todos os condenados à morte, é o único executado.
Imagens de Tiradentes – Pesquisas nos Autos da Devassa iniciadas em 1958 e divulgadas em 1992, ano do bicentenário da morte de Tiradentes, indicam que todas as suas imagens conhecidas são fictícias. Ele nunca teria usado barba, proibida para os integrantes do corpo militar onde servia. Consta nos autos que ele tinha em casa duas navalhas de barbear e um espelho, e que mantém esses objetos em sua cela durante os três anos de prisão. Além disso, os presos são proibidos de usar barba e cabelos longos.
Conjuração baiana

De caráter social e popular, a Conjuração Baiana, ou Revolta dos Alfaiates, como também é conhecida, explode em Salvador em 1798. Inspira-se nas idéias da Revolução Francesa e da Inconfidência Mineira, divulgadas na cidade pelos integrantes da loja maçônica Cavaleiros da Luz, todos membros da elite local – Bento de Aragão, professor, Cipriano Barata, médico e jornalista, o padre Agostinho Gomes e o tenente Aguilar Pantoja. O movimento é radical e dirigido por pessoas do povo, como os alfaiates João de Deus e Manoel dos Santos Lira, os soldados Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens. Propõe a independência, a igualdade racial, o fim da escravidão e o livre comércio entre os povos.
República baiense – A conjuração baiana tem a participação de escravos, negros libertos e pequenos artesãos da capital baiana. Seu manifesto, afixado nas ruas em 12 de agosto de 1798, conclama o povo a um levante em defesa da República Baiense: "Está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade; o tempo em que seremos irmãos; o tempo em que seremos iguais". O movimento é delatado e reprimido: 49 pessoas são presas, inclusive três mulheres. Seis integrantes da facção mais popular são condenados à morte e outros ao exílio. Os Cavaleiros da Luz são absolvidos.